Responder esta pergunta título pode não ser tão fácil e óbvio como parece, porque embora no Brasil a cachaça seja o primeiro destilado mais consumido, 6,9 litros de cachaça por cada Brasileiro no ano de 2018, o que corresponde a 86% de todos destilados consumidos no brasil, o resto do mundo ainda não descobriu com intensidade essa preciosidade genuinamente brasileira e o pior de tudo é que nem mesmo nós temos consciência disso, mas como explicar esse fenômeno?
A produção brasileira só no ano de 2008 foi de 1,4 bilhão de litros Cachaça, sendo 70% da produção de Cachaça industrial e de coluna e 30% de Cachaça de alambique de cobre. Há um total de 30.000 produtores, entre registrados e informais em todo território nacional. Com tudo isso nossa exportação foi de apenas 8,5 milhões de litros, não ultrapassa 1,0% de toda produção do ano de 2018. Se consumimos tanto porque exportamos tão pouco?
Me permito aqui arriscar uma ou mais teses para responder estas perguntas. A semana de arte moderna de 1922, bem como o tropicalismo dos anos 60, tinham como finalidade descobrir ou redescobrir o Brasil e seus valores culturais genuínos, ou seja, dar um basta na tentação colonialista. A cachaça, por uma iniciativa muito provavelmente de Mário de Andrade, foi, inclusive, a bebida oficial da semana de arte moderna. Com tudo isso, a cachaça ainda não está emancipada como bebida do orgulho nacional, basta ver os número acima e conferir nossa própria percepção da “marvada”.
Mesmo que de maneira disfarçada, o famoso “complexo de vira-latas”, criado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues para definir a falta de autoestima de nós brasileiros, ainda perdura entre nosso povo, fazendo com que todos, ricos e pobres, mesmo apreciando nosso destilado no seu dia a dia, ainda o desprezamos, provavelmente pela sua origem humilde por volta de 1535, como um subproduto da indústria açucareira, mas muito apreciada nas senzalas.
Saber exportar sabemos e muito, basta ver os números do agronegócio, um dos maiores do mundo, não só pela quantidade, mas também pela qualidade. O que nos impede de exportar então se a cachaça, além de estar no grupo dos agronegócios, já acumula tecnologia de quase 500 anos, ou seja, tão antiga quanto nosso açúcar, também como a cachaça feita de cana-de-açúcar, hoje exportado para todo o mundo com sucesso.
É interessante lembrar que o açúar sempre agradou o colonizador, o que não é verdade para com a cachaça, que por competir com o vinho e a bagaceira de Portugal sofreu ao longos de sua história proibições e ilegalidades. Só em 1660 a 1661 com a Revolta da Cachaça é que nosso destilado começa a sair da marginalidade e mesmo assim com altíssimos impostos para financiar a coroa e facilitar a entrada do vinho e da bagaceira.
Então não é difícil perceber que um dos motivos de haver até hoje tanta produção ilegal de cachaça, só em minas 40% da produção não tem registro, deve-se, em parte, a sua tradicional marginalidade e a falta de iniciativa politica da própria classe produtora e consumidora. Somente em 1994 foi nosso destilado definido como produto cultural do Brasil e só em 2012 os Estados Unidos da América reconhece a cachaça como produto genuinamente brasileiro.
Temos que admitir que, de fato, a cachaça ainda não é valorizada como um símbolo nacional, já está na hora dessa realidade mudar e fazer valer sua contribuição cultural, social e econômica, assim como já fizeram os mexicanos com seu destilado do agave, a tequila, que mesmo com produção aproximada 7 vezes menor que a nossa cachaça, só em 2017 exportaram 70% de sua produção para 120 diferentes países, 18 vezes maior que nossa exportação de cachaça que não ultrapassa 1%, embora temos um movimento aproximado de 2 bilhões de dólares na nossa cadeia produtiva da cachaça.
A virada na história da Tequila que tem similaridades com a historia da cachaça aconteceu depois da fundação do Conselho Regulador da Tequila (CRT) encarregado de promover a cultura e a qualidade da Tequila, o que fez a produção pular de 104 milhões de litros em 1995 para 211 milhões em 2017, faturando 1,4 bilhões de dólares, hoje um orgulho nacional mexicano, conforme o CRT. Só nos resta confiar e apoiar nossa IBRAC para repetir o exemplo do México se é que tem funções parecidas.
Mesmo exportando muito pouco o nosso consumo interno é expressivo e coloca a Cachaça como o 3º destilado mais consumido no mundo, ficando a bebida coreana Soju, um destilado de arroz de menor teor alcoólico em primeiro e a Vodka em segundo. Isso mostra que temos potencial competitivo, mas a carga tributária como um todo, a disparidade de sistemas tributários entre os estados da federação, a falta de uma politica de exportação adequada, continuam a emperrar o crescimento do setor de forma sustentável e ainda favorece a clandestinidade.
Nosso Brasil sabe fazer cachaça e muito bem, seja de maneira industrial ou artesanal. E cachaça boa é cachaça bem feita, o importante é saber usar e consumir cada tipo, seja envelhecida, não envelhecida, inox, prata, ouro, premium, extra premium, especial e etc. O que temos que mostrar para o resto do mundo é que tomamos sim, e até fazemos e importamos outros destilados, mas amamos pra valer nossa cachaça ou marvada, ou branquinha e outros mais de 50 nomes de expressão de amor, mesmo sem assumir para o mundo este amor tão fiel e tão antigo o que é uma ingratidão para com a mais amada.
E é paixão pra valer porque a cachaça é a nossa cara, nosso jeito, até nossa poesia ou pelo menos parte de letras de muitas músicas, tem infinitas nuances de aroma, cor e sabor, é envelhecida em mais de 30 tipos de madeiras, além do tradicional carvalho, excede como base para coquetéis e é insubstituível na caipirinha. Sua versatilidade na coquetelaria vem se mostrando igual ou mesmo superior a da Vodca, do Gin ou do Rum, vários bartenders a utilizam para reinventar drinks famosos, tais como o Mojito, Dry Martini e a Margarita
Edição e revisão : Felipe G. J. de Faria
Texto de: Adão de Faria
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